quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Texto do crítico Marcus Lontra, que consta do catálogo

PINTURA EXPOSTA

Numa época marcada pelas conquistas tecnológicas é possível perguntar-se: pintura, por quê?

A sociedade pós-industrial faz da informação imediata a sua moeda, o seu comércio. A cibernética impôs ao mundo – e, em especial, aos artistas – novos desafios, novos campos de exploração do saber. Conhecer os mecanismos e as operações que regem o diálogo desse espantoso mundo, que a cada dia ocupa o nosso tempo e o nosso espaço, é tarefa que certamente provoca o espírito voltado para o novo, para o futuro, para a experimentação. Essa parece ser a determinação, a regra, o “Sistema”. A revolução visual iniciada em meados do Século XIX com o advento da fotografia adquire, nos dias atuais, uma nova feição. A tecnologia digital possibilita ações de interatividade que eliminam a passividade do espectador: a tecnologia parece propiciar contornos mais democráticos e o conceito de um mundo globalizado garante a todos os integrantes da rede oportunidades iguais de informação e conhecimento.

Há, por outro lado, um mundo real. Mundo das injustiças e das desigualdades, o mundo da miséria, dessa massa gigantesca de exclusões que alimenta, mas não participa, das benesses da globalização. A arte se alimenta e se apropria da técnica para lhe dar conceito e razão. E essa apropriação se afirma como um instrumento da subversão da realidade e de pertencimento de mundo. “Humana, demasiadamente humana”, a arte é a voz do ser humano, em toda a sua diversidade, em todas as suas diferenças. Por isso, ainda e sempre, vale a pena pintar. Não para servir às expectativas de um mercado ao mesmo tempo ávido e atarantado, mas para pintar com a força e a coragem de Juliano Guilherme que, com sangue, suor e lágrimas, com tintas, pinceis, baladas, sambas e rock in roll, garante a permanência da ação marginal como instrumento do sensível.

“Seja Marginal, seja Herói”. A sentença de Oiticica serve como legenda para a pintura de Juliano Guilherme que assume deliberadamente a sua estética bizarra e vagabunda, suja e subversiva. Ela não aspira aos salões elegantes, as etiquetas e a estética limpinha e cheirosinha da pintura acadêmica modernista, formalista e bem comportada. Ela se identifica com os excluídos, com os becos, com o subúrbio, com o grafitti, com a força daqueles que constroem a sua identidade e recusam o silêncio e o anonimato imposto pelo sistema. A periferia em seu aspecto geográfico é um conceito jurássico. A pintura de Juliano é periférica em seu contexto político e conceitual, ele recusa a ordem estabelecida, a estética predominante e faz de sua obra uma cachoeira de informações, um poderoso dazibao onde o sexo, a política a fé e a paixão acabam por constituir os vocábulos essenciais de um mundo que se afirma através da contaminação, através de estilhaços e fragmentos.

Cada tela de Juliano Guilherme brada por seu espaço no mundo, pelo seu direito à permanência, ela é um animal uivando para a lua, ela agoniza em plena praça pública, ela é um corpo vibrante e visceral. A pintura do artista não segue a moda, não dita conceitos; ela apenas retrata o mundo real e escancara a neurose, a obviedade e a crueldade entre os homens. Ele revela e nos remete a esse mundo verdadeiro que nos circunda e nos diferencia. Tudo aqui é fruto de uma expressão artística pungente e comovida. Arte tensa e apaixonada como a vida merece e deve ser vivida, fera ferida, chaga exposta, pintura nua, arte em seu estado selvagem e natural, pura flor da madrugada. Num país onde a arte é, muitas vezes, excessivamente bem comportada, o artista recupera a angústia goeldiana, a tensão imanente nas figuras de Ivan Serpa, a pulsão de Jorge Guinle e a atmosfera suburbana e marginal de Gerchman dos anos 60 e, mais recentemente, de Vitor Arruda. Sem recusar Jean Michel Basquiat, Juliano Guilherme é o poeta dos becos, da ladeira de Santa Tereza, dos botequins e prostíbulos, da vida que corre e escorre pelas ruas de nossa cidade, do nosso país, do nosso tempo. E então, diante da pertinente indagação se ainda há espaço para a ação da pintura no mundo contemporâneo o trabalho de Juliano Guilherme responde de modo sonoro e rotundo: Sim!

Marcus de Lontra Costa

Nova Iguaçu – Maio/2007

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